terça-feira, 10 de março de 2015

Encontro em Contos - Parte II

- Cacete, minha blusa de linho, disse ele dando um salto para trás.
- Meu laptop! Minhas anotações, cara você não olha por onde anda? Perguntou procurando o note, as chaves, o óculos da cabeça, tudo.

Ela abaixada, recolhendo o note retorcido do chão, ele soltando a mão da namorada, já enfurecida, procurando não deixar o vinho escorrer  até as calças. Tarefa quase inútil.

- Gata, você tem que olhar por onde anda.
- Gata? Gata? Você é idiota? Você destrói o meu note e ainda me chama de gata? Eu não sou gata, e você vai ter que pagar o conserto.

- Você poderia carregar menos coisas, ou comprar uma bolsa maior, assim não corre o risco de esbarrar  e detonar a camisa de linho de outro cara, ainda mais sendo a camisa um presente que ele acabou de ganhar da namorada, disse rindo entre os dentes.

O bar inteiro e inclusive, o dono tristonho, de repente se perderam naquela cena. Uns buscando apaziguar, outros ajudando a juntar as muitas partes dela que estavam espalhadas pelas escadas do bar, outros esperando uma reação e ainda os que estavam embasbacados com a beleza do casal que acabara de entrar.

- E você poderia ser menos metido a gostosão, achando que é dono de todos os espaços. Mas, você vai arcar com as despesas do meu note, isso vai, disse ela rangendo os dentes, sem deixar de notar como aquela mulher ao lado dele era incrivelmente linda e perfeita.

- Gata, esse é o menor dos nossos problemas, amanhã ele estará novo em suas mãos, disse ele sem mover-se do lugar onde estava. Apenas pacientemente aguardando o guardanapo que a namorada estendia para que ele pudesse evitar maiores estragos na branca camisa de linho, infelizmente sem sucesso.

Aquela calmaria a irritava, como alguém que acabava de levar um banho de vinho e que teria de arcar com os custos do conserto de seu note poderia estar tão tranqüilo. Não era costumeiro a ela, resolver questões com o sexo masculino de forma tão fácil.

- Vou precisar dele para sexta-feira que vem. Tudo que tenho está dentro desse note. Preciso dele para sexta-feira. Não posso perder tempo, eu preciso dele na sexta, dizia ela repetidamente.

- Gata, você está parecendo o ‘coelho da Alice’. Se você se acalmar e me der seu telefone, e anotar o meu, amanhã mesmo resolveremos esse assunto. Tenho um amigo que pode consertar isso rápido. Vou ao banheiro consertar essa bagunça, minha namorada vai deixar meu telefone com você e pegar o seu, foi um prazer te conhecer, disse ele já a caminho do banheiro.

Como assim?  Aquilo estava mesmo acontecendo ou a convivência diária com o sexo masculino estava lhe deixando mais dura? Não era fácil estar sob o crivo diário de três editores que lhe pediam as pautas mais absurdas que jamais seriam dadas a ela se não fosse mulher. Ela sabia que isso não definia a maioria dos homens, mas, lhe tirava a esperança de encontrar alguém que fosse cortês apenas. Retirou da bolsa o bloco e a caneta e deixou o número de telefone, anotou o dele, sob o olhar fulminante e reprovador da NAMORADA e saiu carregando o note retorcido, ainda torcendo para que ele voltasse antes de sua partida. Ele não voltou.

Seguiu em direção ao carro, pagou os 9 reais de estacionamento para o flanelinha que não tinha troco e levou seu um real embora, entrou no carro ainda sem entender direito o que havia ocorrido e seguiu para o destino seguinte de todas as sextas feiras. O cafofo dos amigos, recém-casados, onde rolava sempre uma conversa política de fim de semana, um passeio pelos resultados do futebol e a lasanha da melhor amiga do mundo. Eles ainda não tinham filhos, e ela mesmo depois de dois anos não se acostumava com à ideia de não encontrar a amiga no fim da noite e lhe contar sobre seu novo conto na sala bagunçada do apartamento que dividiam. Ela diria: -Mais um? Quando você vai mostrar isso pra mais gente amiga?  E teria a resposta de sempre, um dia, ou talvez nunca. Agora tinha que ir à casa do casal, arrumadinha, com persianas e tapetes, quase careta, mas cheia de aconchego ainda que não admitisse e sempre em alguma parte da conversa tentasse trazer à lembrança os momentos no antigo apê.

Ele era bacana, e os dois haviam se conhecido no verão, ele vindo curtir a cidade e arrumar qualquer bico de verão e ela fazendo um extra para mobiliar o quarto. Foi intenso, foi casamento. Ainda nem entendia ao certo o que tinha acontecido, e como havia sido tão rápido. Justo ela que dizia com todo o ar de seus pulmões que o casamento era instituição falida. Como dizem, nunca diga nunca.

-Cara, você não sabe o que rolou lá no bar, o cara detonou meu note, com tudo dentro, todos os meus contos, toda minha pesquisa. E o cara só me disse pra deixar o telefone que ele consertaria. Disse que precisava dele para sexta. Estava com uma mulher linda, tinha que ver. Dever ser um desses pegadores de modelo, só pode. Ai meu note, meu vinho, disse sem conter a cara feia.

-Amiga, você não acha que está exagerando? O cara esbarrou em você ou vocês se esbarraram? Eu já te vi saindo do bar e você viaja, disse rindo com a típica cara de deboche que ela sempre odiou.

- Não, estava dando tchau para o cara triste, não consigo ir embora sem dar tchau, aquele homem vive naquele lugar, com aquele gato, não posso sair sem dar um último adeus. O cara sabe o que eu bebo e a hora que eu chego há dois anos! Ele é quem estava distraído com ...ah deixa pra lá.

- Deixo, mas me conta, como ele era? disse rindo e deixando ela mais irritada ainda.

- Ah vai, nem sei, sei lá, alto, estiloso, aquele moda da barba grande e coque no cabelo, camisa de linho branca, calça jeans trash, tênis. Sei lá, um cara comum. Foi apenas nesse momento que percebeu o quanto aquele cara era mesmo interessante.

- Cara comum? Você acabou de descrever o Jared Leto! Me conta mais….

- Ah cara, não, não, esquece esse cara.

Ela esqueceu, porque sabia que não podia forçar demais, senão ela empacava. Conversaram sobre a economia, sobre os últimos detalhes do Petrolão- de forma apaixonadamente exaltada, riram, devoraram a lasanha e a sobremesa que ele foi comprar porque como sempre tinha saído do bar viajando e tinha esquecido de levar a sobremesa, sua única responsabilidade das noites de sexta. Foi na hora da despedida que se deu conta de que talvez, de verdade, a culpa tinha sido dela. Como foi deselegante, o cara não poderia pagar por um descuido que também era dela. Talvez fosse melhor esquecer aquele episódio. Na segunda resolveria a questão do note, agora era hora de casa, emfim casa.

Depois de um dia exaustivo o silêncio do apartamento lhe trazia paz, ainda que estando no centro na cidade, na rua mais movimentada. Banho e cama, o cheiro dos lençóis recém trocados eram um convite a bons sonhos. Zapeou a TV e se entediou, rolou as atualizações do WhatsApp nada de novo, checou o Twitter e o Facebook, mais do mesmo. Sentiu a cabeça leve e o sono chegando quando foi tomada de assalto pelo mais ardente desejo, e o rosto daquele desconhecido estava em seus pensamentos. Sentiu um arrepio lhe subir pelas costas, tentou se desvincilhar daquele pensamento, mas a lembrança do toque ainda que sútil e do cheiro dele lhe deixavam excitada demais para ignorar.

As mãos percorriam o corpo e o desejo aumentava, o calor e o rubor da face denunciavam o tesão naquele homem que havia por um instante visto, imaginou sua mãos ao redor da cintura, imaginou-se invadindo o banheiro e arrancado-lhe a camisa manchada de vinho, e o sexo rolando ali mesmo no bar, podendo ser descobertos a qualquer momento, enquanto a NAMORADA escrevia seu telefone em um pedaço de papel, esperando. Imaginou como seria ser comida por ele, ter seus seios entre suas mãos. Um belo tapa na bunda. Ardia de desejo, pensando nele, permitiu-se apenas porque sabia que ele seria apenas mais uma de suas fantasias para masturbação.  E as ondas de orgasmo se aproximavam, aquele tremor que sobe aos poucos e que é seguido da explosão que invade o corpo. Pensou: - Dedico esse orgasmo à você, delicioso desconhecido. Riu, achando graça daquele momento delicioso. Masturbação nunca foi um problema para ela. E em seguida, pegou no sono, sábado era o seu dia, dia dedicado à suas coisas secretas, precisava de disposição. O orgasmo caiu bem para um bela noite de sono.

Eram duas da manhã, e os sonhos eram o que lhe restava na noite, quando o celular tocou, do outro lado a voz grossa e meio rouca dizia:   - A namorada foi para casa, podemos nos encontrar?


Continua na próxima terça. :D

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