terça-feira, 3 de março de 2015

Encontro em Contos - Parte I

Uma lenta sensação subia pelas costas, um arrepio, um desejo, um frio inesperado. As lembranças daquele encontro lhe invadiam com tanta força que não conseguia mais concentrar-se em nada. As letras no computador  pareciam tão distantes quanto o gosto da boca dele na sua. Já se passara um semana e ela ainda não conseguia se recuperar daquela tarde, dia , noite, não sabia quantas horas haviam passado naquele espaço atemporal entre um orgasmo e outro.

Uma semana antes, era uma tarde quente depois de um dia chato no escritório. Pilhas de relatórios, muitos telefonemas, pessoas chatas e tóxicas. Tudo que ela queria era uma cerveja gelada. Mas a vida andava um pouco tediosa. Não havia se dado conta de que a semana havia passado mais uma vez.

O pôr do sol se aproximando, avistado de sua mesa chata, em sua posição chata, em seu trabalho chato. Ela olhou no relógio, pulou da cadeira, correu para o banheiro meteu um batom vermelho nos lábios, ergueu o vestido com um cinto amarrado à cintura, tirou a legging que lhe dava um ar comportado, soltou os cabelos e caprichou no gatinho no canto dos olhos. Estava pronta.

Não convidou ninguém, não ligou para a melhor amiga, nem para a colega de trabalho, a noite era dela e de mais ninguém. Entrou no carro e olhou-se no retrovisor, se achando linda e poderosa, a dúvida não era um sentimento, seguiu seu destino. Uma happy hour com ela mesma no topo do morro de frente para o mar, para começar a noite, ou abrir os trabalhos, como ela odiava ler no facebook. Como companhia, a noite que chegava e uma cerveja gelada.

Ela não fazia questão de companhia quando não queria companhia, ela gostava das próprias idéias quando sentava com uma cerveja gelada na mão e um note à sua frente. Seu encontro era com as palavras, com as frases que se formavam a cada toque no teclado. Uma ideia que se transformava em um conto, em uma história, não importava, era só uma fantasia, uma fantasia que ninguém sabia que ela cultivava, mas que se preparava religiosamente para cumprir a cada sexta-feira, naquela mesma posição, naquele mesmo lugar.Já nem lembrava há quanto tempo seguia o mesmo ritual, era uma das partes de um comportamento que ninguém tinha acesso a não ser ela mesma, e gostava disso. Era mais excitante, como se a qualquer momento alguém pudesse descobrir seus segredos. 

Eram sempre as mesmas pessoas. No bar o cara estranho e solitário escondido na cidade, quase frustrado, quase feliz. A menina alegre que servia as mesas, sempre disposta a oferecer todos os drinks da casa a cada visita sua, o cara do violão, triste, que simplesmente tocava o mesmo repertório semanalmente sem nenhuma novidade e o gato que passeava por entre as mesas como se nós é que atrapalhássemos seu caminho. Era o mais perto que ela tinha de um núcleo familiar, estava há tanto tempo na cidade e tão longe dos seus, que adorava ser parte daquele ambiente.

Já passava das dez, era mais ou menos naquele horário que desmontava a cara de matadora e ia para casa; parte disso era pose, outra era apenas cansaço e desânimo com os mesmos caras e as mesmas cantadas. Era tão difícil entender que o batom e o vestido eram para ela mesma? Eles eram simplesmente desinteressantes, bonitos até, mas não seriam capazes de mais do que um, dois encontros. Exigente? Talvez. Não importa, a companhia dela mesma era melhor, mais interessante. Alguns, algumas vezes alguns deles seguiam com ela, ou ela seguia com eles, nada mais do que uma noite, ou uma madrugada.

Estava de saída, note na mão, bolsa no ombro, celular e chaves do carro na outra, acompanhados da última taça de vinho, que sempre fechava a noite.Virou-se mais uma vez para acenar ao triste dono de bar. O mundo parou por um instante naquele choque. Bolsa, celular e chaves junto com o note espalhados pelo chão do bar. Uma camisa branca de linho ensopada de vinho, um computador quebrado um homem e uma mulher furiosos. A fúria durou apenas dez segundos, até o olhos se cruzarem.


Continua na terça que vem....... ;)


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