terça-feira, 7 de abril de 2015

Parte V - São Paulo


Ela acordou ainda um pouco zonza da noite anterior não sabia se a sua saída havia causado algum impacto sobre ele. Chegou em casa sem saber o que faria primeiro, e é claro a primeira providência foi carregar o iphone. Já estava ansiosa pela ligação dele, mesmo sabendo que basicamente seus encontros aconteciam apenas à noite. Ficou intrigada com o pensamento que lhe passou pela cabeça.Desde que se conheceram, há apenas três dias, só se viam, ou transavam à noite. Estranho, um pensamento estranho que a acompanhou até o chuveiro.

Foi um banho longo, demorado, daqueles que só quem passou a noite na balada seguida de muito sexo pode entender. Os pensamentos surgiam sem controle e o desejo aumentava. Como poderia ainda estar tão acesa mesmo depois de orgasmos múltiplos?

Depois do banho o merecido cochilo antes do passeio pela cidade, domingo era dia de pedalar. A cidade não oferecia tanto espaço para uma boa pedalada, mas o parque não era tão distante e havia pensado no transporte da bike quando comprou o carro, pedalar para ela era libertador. Era nessas pedaladas ao redor da lagoa que tinha as melhores idéias para o livro. O livro de contos que ela não mostrava a ninguém e que havia acabado naquela sexta-feira ‘quase’ trágica. Talvez tivesse chegado a hora. Não que ela não gostasse da profissão, que aliás exercia de forma impecável, ainda que trabalhando com mais cinco caras em uma redação de uma revista de esportes.

O dia estava esplendorosamente lindo. A pedalada serviu de alívio para os pensamentos que não se afastavam, como era gato, que bunda, como podia ser tão sexy? Ria sozinha e tinha a impressão de que todos à sua volta percebiam que tinha fodido a noite toda. E daí? Já fazia algum tempo, desde que havia decido há cerca de um ano atrás que precisava colocar em prática os planos de quando ainda era estudante. O livro, as viagens, a vida pessoal. Tudo muito bem organizado em uma planilha, que seguia sem pestanejar. O cara não poderia ter aparecido em melhor hora, aquele sexo todo era quase uma coroação de um ano intenso e abnegado de sentimentos. O sexo existia e não era um problema, mas esse calafrio, isso não acontecia desde.... Talvez essa fosse a primeira vez que sentia isso dessa forma.

O dia passou e a noite caiu, nada de telefonemas, e-mails, nada que lembrasse dele, a não ser o cheiro dos lençóis. Sentiu-se mal, aquela sensação de vazio que só uma paixão deixa quando não se tem notícias do outro. Logo o relógio marcava dez da noite, a segunda-feira apontava e era preciso organizar o dia seguinte. Seria esse apenas um fim de semana  em que havia conhecido um cara desses que chega para o fim de semana com os amigos e nunca mais é visto? Não era hora de fazer perguntas, era disciplinada demais para deixar um cara atrapalhar uma segunda-feira de trabalho.

O relógio despertou às 06:40 como de costume, tomou seu banho e o café da manhã e seguiu para o trabalho, nada de mensagens ou telefonemas. Às 08:00 estava na sua mesa já escrevendo sobre os jogos do fim de semana. Ela gostava de fazer pose e dizer que escrevia sobre futebol por que foi o que deu para fazer depois da faculdade, mas no fundo adorava ser a única mulher da redação e de quebra entender do assunto. Os meninos da redação no começo não davam muito valor aos seus textos mas aos poucos ela conquistou o espaço que queria. Havia respeito mas o salário e a possibilidade de crescer não acompanhavam a evolução no mesmo ritmo. Foi nesse meio tempo que decidiu escrever seu livro sobre pessoas. Um apanhado de idéias e perfis de gente comum, com vidas comuns mas que guardavam muita história boa. Não tinha intenção de ganhar fortunas, não pretendia ser um fenômeno de vendas como Paulo Coelho, mas sabia que em tempos de rapidez tratar de vidas humanas interessaria.

No meio da tarde, depois de um almoço divertido com os colegas da redação, bem na hora daquela preguiça que todos sentem, entre três e quatro da tarde quando checava pela última vez a caixa de e-mail com as últimas notícias, buscando enfim, aquela que fecharia sua página, um e-mail que lhe causou aquele já conhecido calor na espinha.

Gata,
A calcinha vermelha está no bolso da minha calça, desde as primeiras horas da manhã. Passei o domingo entre compromissos e reuniões inesperadas. Mas a todo instante lembrando de você e da sua bunda gostosa, seus peitos, suas pernas. Você é deliciosa. Essa semana vai ser corrida e não vou estar na cidade. Mas sua calcinha vermelha de renda vai ser bastante utilizada. Garanto. Chego na sexta, pense em mim, goze comigo. Te ligo todos os dias no fim da noite para ouvir sua voz. O que tem de diferente em você? Quero te ver desde que você saiu, se pudesse cancelaria toda minha agenda só pra te ver. Não é só sexo, o sexo é incrível, você fode pra cacete. O seu cheiro está em mim. Pode ser cedo para te dizer que você é especial. Espero que acredite e não me ache muito louco por dizer isso. A gente se fala durante a semana.
Diogo.

Não conseguia esconder o rubor que lhe subia nas maçãs do rosto. Quando foi interrompida pelo chefe.

- Pê, preciso que você esteja em São Paulo hoje à noite para um evento que vai durar a semana toda, você pode?

- Caraca Flávio, eu já te disse para me avisar dessas coisas com antecedência. Detesto fazer as coisas assim, em cima da hora. E a semana toda? Como fica o trabalho aqui na redação? Mas ta bom, você é foda! Que horas eu tenho que estar no aeroporto? Disse com a intimidade que só o convívio de uma redação pode garantir.

- Boca suja. Você não era assim quando chegou aqui, disse rindo. Você vai ficar com uma base no hotel, os eventos são à noite. Recebemos os releases no domingo, você não viu as mensagens que te mandei? Um milionário comprou um time de futebol e está apostando nesse filão. Vai fazer uma semana de divulgação, precisamos estar nisso. Dizem que o cara não entende nada da parada, mas que vai investir. Quem sabe a gente não descola uma publicidade? Disseram que ele ganhou grana com importações da China, mas tudo é seu trabalho, essa semana. Preciso dessa história para a capa. Descobre quem é esse cara.

Ela não podia deixar transparecer que não pensou em nada de trabalho no fim de semana e que muito menos havia ignorado por completo os e-mails dele. Eram sempre sobre matérias bobas e que ela fazia sempre em cima da hora, fechando a deadline. Mas essa, essa podia ser a sua chance de ganhar alguma visibilidade que lhe assegurasse o lançamento do livro.

- Não vi, mas vou sim. Me dá um tempo de ir em casa e arrumar a mala, não tinha visto seus e-mails, disse envergonhada. Como podia ter cometido uma gafe dessas? Que merda!

- Ok, aqui estão as passagens e tudo sobre o hotel, as coletivas e a festa que vai acontecer na sexta-feira, disse entregando uma pasta com todos os documentos.

- Sexta? Cara, sexta a noite tenho um compromisso, disse fazendo cara de pidona.

-Foi mal Pê, é importante pra revista. Preciso do melhor repórter lá, você, disse piscando o olho
.
- Humm ta bom, vou levar isso em consideração, disse rindo mas pensando em como seria horrível desmarcar com o aquele gato. Só pensava nele dormindo sob os raios de luz do quarto de frente para o mar.

- Ta distraída. Qual foi? Perguntou ele.

- Nada, só organizando essa ida repentina de uma semana pra São Paulo, disse olhando para ele com cara de poucos amigos.

- Ok, vou estar atento e qualquer coisa você me chama no whats.

Seguiu para casa depois daquilo pensando em como poderia lucrar com toda a exposição, mas sabendo que teria de adiar o encontro com o gato. Arrumou as malas e em uma hora já estava decolando. Durante o vôo chamou o gato no whats para dizer que não estaria na cidade na sexta e em como não havia conseguido responder o e-mail devido a pressa e da falta de compromisso dos homens chefes, em especial o seu.

Gato. Recebi seu e-mail mas não consegui responder, meu chefe me pediu para cobrir um evento durante uma semana em São Paulo, e me avisou em cima da hora. Não vou estar na cidade na sexta, podemos remarcar?

Gata. Você está em São Paulo agora?

Sim, quer dizer, na verdade estou no meio do caminho, sentadinha na poltrona do avião. Aliás, em tempos de whats somos quase antiquados usando e-mail não acha? Tô ficando sem bateria. Vamos iniciar a descida. Falo com você em terra quando chegar no hotel. Até sábado a gente pode fazer muito sexo por telefone, ou por aqui. Topa?

A bateria caiu. Ficou pensando se tinha sido ousada demais, deu de ombros. O avião desceu e demorou quase uma hora para conseguir sair de dentro dele, pensou se escrevia sobre isso ou se mandava uma carta bem mal educada à companhia. Lembrou que essas coisas cansavam e quase nunca resultavam em algo positivo. Resolveu praticar um exercício zen.

Já exausta pensava apenas em pegar um taxi para o hotel, pensando na maratona dos dias seguintes. As 8 precisava estar na primeira das milhares de coletivas que teria de cobrir. Queria estar bem visível e tentar colher tudo o que pudesse a mais para a matéria. Estava empolgada e isso era bom. Pensou em quanto tempo e dinheiro gastos em um time de futebol. Comprou um mate gelado e foi encarar a fila para pegar um taxi, esperando que o hotel não fosse um 'muquifo'. Foi quando sentiu aquele cheiro familiar e seu corpo se arrepiou derepente, não era possível.

- Te achei, eu sempre te acho, nada de taxi, você vai comigo pro meu quarto de hotel.



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